Abrem-se parênteses. Dois fatos relevantes marcaram profundamente a história da paróquia e a construção da nova matriz. Um externo, circunstancial, que foi a emancipação política e administrativa de Cesário Lange e outro interno, mais profundo e importante, que foi a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965) convocado e aberto pelo Papa João XXIII (1958-1963), continuado e encerrado pelo Papa Paulo VI (1963-1978).
1 - O município
As relações entre Igreja e Estado ao longo de sua bimilenar história tiveram muitas alternâncias, desde perseguições e deliberada oposição como de cooperação e respeito. O problema foi muito discutido na Idade Média, quando havia um só Estado (o Sacro Império Romano) e uma única Igreja (a católica). Depois, com a divisão do Império em estados nacionais (as modernas nações) e divisão e cismas dentro da própria Igreja (católica, ortodoxas, protestantes, anglicana), a questão tomou um novo rumo. A razão do conflito é compreensível. Afinal, as duas instituições se movem sobre o mesmo tecido social, os fiéis de uma são os cidadãos da outra e nem sempre os objetivos são os mesmos, quando não são contrastantes. O Brasil teve o seu “calvário eclesiástico” por meio do padroado. O que parecia ser um privilégio, que funcionou razoavelmente bem na época do “Descobrimento”, ao longo do tempo, mostrou ser uma escravidão. Afinal, era o rei de Portugal, depois o imperador do Brasil, quem indicava os bispos, padres e criava paróquias, etc. Assim, ainda hoje, é lugar comum atribuir a Igreja crimes, como perseguição a bruxas, perseguição religiosa, Inquisição, a escravidão... que em muitos casos, na realidade, foram cometidos pelos soberanos, embora eclesiásticos estivessem envolvidos, pois estavam a seu serviço. Na história do Brasil, um caso exemplar desta situação foi a do Servo de Deus e Venerável Pe. Gabriel Malagrida (1).
1 - O município
As relações entre Igreja e Estado ao longo de sua bimilenar história tiveram muitas alternâncias, desde perseguições e deliberada oposição como de cooperação e respeito. O problema foi muito discutido na Idade Média, quando havia um só Estado (o Sacro Império Romano) e uma única Igreja (a católica). Depois, com a divisão do Império em estados nacionais (as modernas nações) e divisão e cismas dentro da própria Igreja (católica, ortodoxas, protestantes, anglicana), a questão tomou um novo rumo. A razão do conflito é compreensível. Afinal, as duas instituições se movem sobre o mesmo tecido social, os fiéis de uma são os cidadãos da outra e nem sempre os objetivos são os mesmos, quando não são contrastantes. O Brasil teve o seu “calvário eclesiástico” por meio do padroado. O que parecia ser um privilégio, que funcionou razoavelmente bem na época do “Descobrimento”, ao longo do tempo, mostrou ser uma escravidão. Afinal, era o rei de Portugal, depois o imperador do Brasil, quem indicava os bispos, padres e criava paróquias, etc. Assim, ainda hoje, é lugar comum atribuir a Igreja crimes, como perseguição a bruxas, perseguição religiosa, Inquisição, a escravidão... que em muitos casos, na realidade, foram cometidos pelos soberanos, embora eclesiásticos estivessem envolvidos, pois estavam a seu serviço. Na história do Brasil, um caso exemplar desta situação foi a do Servo de Deus e Venerável Pe. Gabriel Malagrida (1).
Somente, com a Proclamação da República em 1889 e conseqüentemente, a separação entre Estado e Igreja, é que esta pode respirar de fato. Para se ter uma idéia, em 1889, havia somente uma arquidiocese (a de São Salvador na Bahia) e onze dioceses em todo o país que contava com 12 milhões de habitantes. Tão logo, a Igreja perdeu a proteção do padroado, ela promoveu uma reorganização eclesiástica profunda no Brasil, multiplicando as dioceses, criando paróquias... No entanto, o povo comum continuou confundindo as duas instituições, principalmente nas pequenas cidades ou nos lugares mais atrasados. Um exemplo eloqüente foi o conflito de Canudos.
Em Cesário Lange, desde a criação da paróquia, sempre esteve latente este conflito. A própria criação da paróquia em 1914 tinha um componente político além do religioso, o do afastamento da jurisdição eclesiástica de Tatuí, antecipando em 45 anos a emancipação política e administrativa que só aconteceu em 1959. O padre era uma autoridade respeitada, uma referência para o pequeno distrito. Vale lembrar o fato que num lugar onde a escolaridade era baixa, um padre por formação tinha dois títulos em nível universitário. Nos momentos de turbulência política, como nos anos 30 e na década de 60, foi mais sensível este conflito. Por exemplo, o motivo da saída do Pe. Manuel da Silva Leite em abril de 1933 foi a acusação que o padre era simpatizante dos "socialistas locais", da “Aliança Liberal” (getulistas), conforme o Livro do Tombo 1, 44-45. Parece que a saída de Pe. Olegário Barata em 1.º de janeiro de 1937 teve também um componente político. Como Cesário Lange era um distrito de Tatuí e o subprefeito, não raro, era visto como um "homem" da política de Tatuí, o padre que era uma espécie de autoridade informal na cidade, estava mercê das mudanças de humores políticos tatuianos.
Quando o novo município foi criado em 18 de fevereiro de 1959, desencadeou uma disputa dura entre dois grupos para ser o primeiro governo de Cesário Lange. O padre foi visto como "cabo" eleitoral do grupo minoritário. No processo eleitoral, o Pe. Antônio Dragone foi seguidamente provocado e mesmo, agredido (16 de agosto de 1959). Fato este grave que foi contornado, embora houvesse pessoas propensas a explorar o episódio. Estes fatos lamentáveis provocariam um fato inédito nos anais da paróquia. No encerramento do mês de maio de 1961, no dia 03 de junho, dentro igreja, depois de um tumulto provocado por um vereador da "situação", provavelmente embriagado, que foi caracterizado como uma profanação, o bispo ordenou ao vigário que fechasse a igreja e se transferisse definitivamente para Porangaba, de onde era também pároco.
A igreja de Cesário Lange permaneceu fechada por dois meses. Quando foi reaberta, a paróquia perdera sua autonomia e estava anexa à paróquia de Porangaba. Pe. Antônio Dragone só vinha no final de semana para a assistência religiosa.
Esta situação perdurou até a chegada do novo vigário, o Pe. Adolfo Testa, em 21 de janeiro de 1962. Com este pároco, definitivamente, o partido da "situação" tomou a dianteira junto ao novo pároco, e parece que houve mesmo uma mútua cooperação. Surge aí um novo "imbróglio", um fato um tanto obscuro. Um membro da oposição, atuante também na igreja, teria obtido a assinatura do padre num certo abaixo-assinado, algo que tinha que ver com os fatos que culminariam com os acontecimentos de 31 de março de 1964. Quando Pe. Adolfo percebeu a “manobra suspeita” em que caíra, antecipou sua partida a Itália, que aconteceu no dia 04 de abril de 1964 com a promessa de regressar no mês de agosto (no entanto, ele confidenciou ao autor dessas linhas, que morava, então, em São Paulo, que jamais voltaria).
Diante desta nova situação, Dom José Thurler, bispo coadjutor de Dom José Carlos de Aguirre, mais uma vez, anexou a paróquia de Cesário Lange à de Santo Antônio de Porangaba. Esta situação foi mantida até o dia 24 de janeiro de 1965, quando foi empossado o novo vigário, o Pe. Francisco de Assis Moraes.
Pe. Chico, como ficou conhecido, pertence àquela geração de padres ativistas e politizados, que surgiram depois do Concílio Vaticano II e que teve seu ponto mais alto no Sínodo do Celam de Medellin em 1968. Impaciente diante da morosidade administrativa e do clientelismo político, então vigente e engajado naquelas áreas que o município era mais carente, como educação, saúde e promoção social. Lutou para mudar as coisas. Tentou de início uma acomodação, com o passar do tempo, passou quase para o confronto.
Com a redemocratização do país e também o amadurecimento político do município, este conflito perdeu forças e hoje prevalece mais o diálogo, quando não a mútua cooperação à política doméstica.
2 - O Concílio
O Concílio Vaticano II foi o maior evento na história da Igreja no século XX. Ele foi convocado pelo Papa, o bem-aventurado João XXIII, em 1959. Foi aberto pelo mesmo Papa no outono de 1962. Em junho de 1963, faleceu João XXIII, sendo sucedido pelo Papa Paulo VI, que convocou a sua continuação para o outono de 1963. Em dezembro de 1965, Paulo VI encerrava o Concílio que ao todo aprovou 16 documentos: duas constituições dogmáticas ("Lumen Gentium" e "Dei Verbum"), duas constituições pastorais ("Gaudium et Spes" e "Sacrosanctum Concilium"), nove decretos e três declarações. O Concílio Vaticano II foi um concílio pastoral. Seu principal escopo foi atualizar a Igreja às sucessivas e rápidas mudanças do mundo contemporâneo.
A igreja particular de Sorocaba, a qual a paróquia de Cesário Lange pertencia, esteve bem representada nas quatro fases do Concílio em Roma. Nas três primeiras fases (1962-1963 e 1964) por Dom José Thurler, auxiliar de D. Aguirre e a última por Dom José Melhado Campos (1965), já como bispo coadjutor da Diocese.
Para quem vinha acompanhando o debate teológico desde o início do século XX, viu concretizadas as aspirações de toda a Igreja. Um documento que diz respeito ao destino da nova matriz em Cesário Lange foi a constituição "Sacrosanctum Concilium" sobre a renovação litúrgica na vida da Igreja, o que já vinha sendo feito paulatinamente nas décadas anteriores ao Concílio. Ao acompanhar a vida da paróquia, vemos algumas notícias interessantes: por exemplo, no dia 20 de janeiro de 1954, Pe. Antônio Dragone escreve sobre a nova disciplina emanada pelo Papa Pio XII sobre o jejum eucarístico e a possibilidade de celebrar a missa também à tarde. Esta “novidade”, que quebrava uma tradição milenar de só celebrar a Eucaristia pela manhã, surgira excepcionalmente com licença da Santa Sé durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) para atender as necessidades imediatas dos fiéis nesta época infeliz da história. Para o Pe. Antônio, que também era pároco em Porangaba, era uma excelente decisão, pois permitia que atendesse uma paróquia pela manhã e outra à tarde. Em 1956, ele está preocupado com o conhecimento litúrgico do povo para a participação da missa recitada, ainda que em latim. Em 1957, ele mostra entusiasmo com a renovação da liturgia da Semana Santa, que voltava aos moldes da igreja primitiva... etc.
Portanto, quando no dia 04 de dezembro de 1963, em sessão presidida pelo Papa Paulo VI, foi aprovado o primeiro documento conciliar, a constituição sobre a renovação litúrgica "Sacrosanctum Concilium"; era a consagração de um movimento irreversível. Em 06 de setembro de 1964, às 17h00, durante a festa em louvor a São Roque, estando a paróquia ainda anexada à de Porangaba, Pe. Luiz Bazzo, obedecendo as determinações do bispo e da CNBB, na Matriz de Cesário Lange, pela primeira vez, celebrava a missa dialogada em português, com um novo altar de madeira improvisado, voltado para o povo, junto à mesa da comunhão.
Começava a reforma litúrgica que nem sempre foi bem interpretada. O documento do Concílio é genérico, pouco específico, dando às conferências episcopais grande autonomia sobre determinados pontos, o que em alguns casos, permitiu que em alguns lugares, as coisas fossem além do que o Concílio previu e em outros, que ficassem aquém.
A nova matriz de Cesário Lange que fora concebida como uma igreja tradicional tridentina, arquitetonicamente em forma de uma cruz latina, ao ser terminada, sofrerá influência de algumas idéias reformistas conciliares. Desta forma, ganhará um acabamento jamais previsto por Pe. Antônio que a iniciara antes do Concílio.
Também a própria vida paroquial sofrerá grande transformação. A paróquia que até então era centralizada na figura do padre, nas irmandades e associações como uma espécie de coluna vertebral, será alterada. O Concílio resgata uma imagem antiga da Igreja, a de “o Povo de Deus”, da Igreja comunhão, de uma Igreja ministerial, onde todos os batizados têm mesma dignidade e missão. Ainda hoje essas determinações não foram bem assimiladas.
Por exemplo, seguindo uma determinação do Concílio, em 17 de junho de 1967, o Papa Paulo VI restaurava o "diaconato permanente" através do Motu-Próprio "Sacrum Diaconatus Ordinem" abrindo a possibilidade de homens casados serem ordenados para este antigo ministério, que desde o século VI, ficara restrito mais como uma passagem necessária para o sacerdócio. De Cesário Lange, apresentaram-se dois candidatos: Joaquim Vieira da Silva e José Vieira de Miranda. Só o último participou do curso de preparação de diaconato, mas ele não foi ordenado junto com os primeiros diáconos da Diocese de Sorocaba o que aconteceu em 1969. Ele só será ordenado diácono em 06 de setembro de 1992 durante o paroquiato de Pe. Paulo César Ferreira.
Outra “novidade”, em 1.º novembro de 1975, Dom José Melhado concedia a provisão aos primeiros "ministros extraordinários da Sagrada Comunhão” a Honório Roque Torres, Joaquim Vieira da Silva e Lázaro Corrêa Sampaio. Pela primeira vez, depois de tantos séculos, ministros não ordenados tinham acesso ao serviço de distribuir a Eucaristia. No dia 16 de dezembro de 1979, diante da experiência positiva dos ministros extraordinários, aumenta o seu número. Entre eles, uma grande novidade, oito mulheres pela primeira vez são provisionadas para este ministério.
Outras "novidades" foram trazidas pelo Concílio. Teremos, então, um tempo de alguma convulsão, até se chegar a uma certa acomodação eclesial, mais sensível no longo pontificado do Papa João Paulo II. Hoje, a igreja matriz já não centraliza tudo. É um ponto de referência importante. As comunidades se organizam em pequenos núcleos e capelas. Estas ganharam notável importância e autonomia. Quase tudo que há na Matriz, várias delas também têm: os seus próprios ministros (ainda que extraordinários, portanto não-ordenados), sacramentos, algumas, até mesmo, sacrários (que é um privilégio das igrejas matrizes), a Palavra de Deus, a catequese. Enfim, para elas convergem as aspirações da comunidade. Fecham-se parênteses.
1) Padre Miguel Malagrida (1689-1761), popular missionário do Nordeste brasileiro pertencente à Companhia de Jesus, nasceu na Itália. Ordenado padre, veio ao Brasil em 1721, onde começou a percorrer a pé, pregando o Evangelho, administrando sacramentos, fundando escolas, colégios, e seminários (à revelia da Corte portuguesa, já que ele como jesuíta estava sob obediência direta do Papa e não do Rei) e acima de tudo protegendo indígenas, que provocou as iras dos poderosos da época, pois acima de tudo, além da fama de taumaturgo, ele gozava da estima da Rainha. Padre Malagrida foi preso pelo Marquês de Pombal que através do tribunal da "Santa Inquisição" condenou-o à morte como "herege". Ele foi estrangulado sobre um palanque e em seguida queimado no dia 20 de setembro de 1761. Quando ele morreu, já não havia mais jesuítas no Brasil, a não ser 180 nas masmorras pombalinas em Portugal. Mais de 1.000 deles tinham sido exilados na ilha de Córsega. No Brasil, centenas de escolas e colégios foram fechados. Tudo isso graças ao “Iluminismo” do ministro do rei D. José. Quando a notícia chegou a Roma, o Papa Clemente XIII exclamou: "Hoje a Igreja de Cristo tem mais um mártir!". Em 1991, em São Luís (MA) o Papa João Paulo II lhe fez um elogio público.