quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Os tempos do Padre Chico

 

Com a partida do Pe. Adolfo Testa, mais uma vez, a paróquia ficou sem clero próprio. Dom José Thuler, administrador apostólico de Dom Aguirre em Sorocaba, anexou a paróquia de Cesário Lange à de Porangaba, cujo vigário era Pe. Luiz Bazzo. Foram oito meses um tanto irregulares. Não faltou assistência religiosa à paróquia, pois além do pároco de Porangaba, outros sacerdotes se revezavam no atendimento à paróquia. Entre eles, vale a pena lembrar dois sacerdotes: monsenhor Benjamim de Souza Gomes, que em 1968 seria ordenado bispo de Paranavaí, falecido em 1995 como bispo emérito e monsenhor Antônio Maria Mucciolo que em 1977 seria ordenado bispo de Barretos e hoje é arcebispo emérito de Botucatu. Ele é um dos fundadores da Rede Vida de TV. No entanto, as obras ficaram interrompidas, portando, quando o novo vigário foi nomeado em 31 de dezembro de 1964, foi viva a satisfação de toda a população católica.

No dia 24 de janeiro de 1965, Pe. Francisco de Assis Moraes, então vigário cooperador da paróquia Nossa Senhora dos Prazeres em Itapetininga, era empossado como pároco de Cesário Lange. Uma "era" estava começando porque Pe. Chico, como logo foi chamado, irá permanecer como pároco por quase dezoito anos. Pe. Chico contava então 26 anos de idade e usou de sua juventude e seu entusiasmo para reorganizar a paróquia.

A situação econômica da paróquia era crítica. A igreja inconclusa, a nova casa paroquial semiabandonada. O novo padre, sabendo dos problemas anteriores, começou montar uma nova estrutura mais adequada aos tempos novos trazidos pelo Concílio Vaticano II recentemente concluído. Criou ele um "Conselho Administrativo Paroquial" composto de nove membros, onde tentou recompor as antigas divisões, pondo forças opostas lado a lado. Tinha esse "conselho" a missão de retomar e concluir as obras da igreja matriz, equipar a casa paroquial, modernizar o cinema paroquial, que era a única atração que tinha a cidade, preservar o barracão de festas: o único e modesto patrimônio da igreja.

Pe. Chico tentou introduzir a prática do dízimo, que embora fosse um preceito eclesiástico antigo, sempre fora deixado de lado, eliminando assim as espórtulas e taxas que eram cobradas pela igreja àqueles que se dirigiam a ela para solicitar algum serviço. Também se estabeleceu uma côngrua ao pároco que seria de três salários mínimos, o que tão logo pôde, o padre desfez dela, ao conseguir licença do Bispo para exercer outras atividades, primeiro no magistério, onde era licenciado e mais tarde no exercício do Direito, quando se bacharelou como advogado em 1969.

Junto com o novo "Conselho Administrativo" ele acabou com as grandes festas dos padroeiros da Paróquia com aquelas atrações de artistas do rádio e TV, pois além de serem excessivamente profanas e dispendiosas, traziam poucos retornos financeiros. Antes, propôs-se um trabalho sistemático e austero de levantar fundos através de rifas e outras promoções, além das antigas festas paroquiais. Por exemplo, em 04 de maio de 1968, a paróquia rifava com a ajuda de Benedito Camargo e de sua esposa Edith Mendes um VW Sedan, 0 Km, em benefício das obras da igreja.

Assim, tendo à frente Luiz Rodrigues Duarte e João Batista da Silva e mais cinco membros, já no dia 04 de fevereiro de 1966, recomeçavam as obras da igreja com seu revestimento interno. Entre os dias 09 e 16 de julho de 1967, a veneranda torre da antiga igreja construída por Pe. Gravina, graças à insistência de Domiciano Rodrigues Paulino, vinha a baixo e se construía outra, mais sóbria, onde em dezembro de 1968, com a ajuda da Prefeitura Municipal de Cesário Lange instalou um relógio elétrico DIMEP, que ao passar do tempo se mostrará inadequado, até ser substituído pelo atual.

Também, quanto ao acabamento interno da igreja, adotou-se um estilo despojado, despido de ornamentos, com paredes totalmente brancas, sem altares laterais, que perdiam sua razão diante da reforma litúrgica. Desapareciam também as imagens tão caras ao povo católico de Cesário Lange. A razão em si era bem-intencionada. Toda a liturgia deve ser orientada a Deus, isto é, cristocêntrica. Numa igreja matriz que tem o privilégio de ter a presença real de Cristo no sacrário, corre-se o risco que práticas devocionais, em si boas e aceitas, possam distrair os fiéis do essencial. Essas providências foram tomadas de maneira um tanto afoita e sem a devida preparação do povo. Não poucos entre os fiéis se sentiram constrangidos com esta decisão. A bem da verdade, a reforma litúrgica iniciada há mais de quarenta anos atrás durante e após o Concílio ainda não atingiu de todo os seus objetivos.

Em março de 1971, as portas da igreja estavam prontas, José Miranda (Mirandinha) doara a madeira. No mês de abril de 1972, chegavam 98 bancos novos e por fim, no dia 21 de maio do mesmo ano com a presença do Pe. Antônio Dragone, então pároco de Guapiara e que recebia o seu título de cidadão honorário de Cesário Lange, também com a presença de frei Nuno Alves Corrêa, Dom José Melhado Campos inaugurava definitivamente a nova igreja matriz. Desde a primeira pedra daquele distante 15 de maio de 1952, abençoada por Dom Aguirre, até aquele dia 21 de maio de 1972, vinte anos e cinco dias tinham passado.

Pe. Chico insistiu, também, muito na catequese, inclusive com aulas de religião nas escolas, e na preparação melhor das pessoas aos sacramentos, incentivando principalmente na leitura assídua da Bíblia, promovendo campanhas para que as Escrituras Sagradas estivessem ao alcance de todos. Assim também outras "novidades" eram introduzidas como o Movimento Familiar Cristão, quando no dia 05 de junho de 1965, um grupo de sete casais de Cesário Lange se reuniram com dois elementos vindos de Sorocaba e um casal de Tatuí para dar início a esse movimento na paróquia. Um embrião das atuais pastorais, que hoje são o sustentáculo de toda a atividade paroquial.

Por outro lado, as tradicionais irmandades que, até então, eram a coluna vertebral da paróquia, se não foram extintas, também não foram incentivadas. O motivo era um tanto equivocado. Ao conceito de Igreja como comunhão e povo de Deus retomado pelo Concílio Vaticano II, parecia que a existência das irmandades excluía os simples fiéis que não faziam parte delas. Em Cesário Lange parece que esta posição foi realmente um tanto equivocada, tanto que mais tarde, algumas delas serão restauradas. Outra "novidade" que reapareceu foi a presença de leigos no auxílio da celebração dos sacramentos. Em abril de 1969, saíra a instrução “Fidei Custos” emanada pela autoridade do Papa Paulo VI que mudava uma disciplina arraigada há séculos na igreja latina e que permitia que leigos, portanto, não “ordenados” pudessem participar como auxiliares dos ministros ordenados em determinadas funções. Tal instrução foi reforçada pelo documento “Immensæ Caritatis” de 1973 do mesmo Papa. Os primeiros que foram escolhidos e preparados para tal função foram Honório Roque de Miranda Torres, Joaquim Vieira da Silva e Lázaro Corrêa Sampaio que em 1975 foram provisionados pelo bispo Dom José Melhado Campos como os primeiros “ministros extraordinários da Sagrada Comunhão”. A experiência foi tão boa e bem aceita pelo povo que em 16 de dezembro de 1979, novos ministros extraordinários foram provisionados e pela primeira vez também oito mulheres. Também, a preocupação com a evangelização foi reiterada ao se exigir a partir deste mesmo ano, os "cursinhos" de batismo e matrimônio para a celebração destes sacramentos.

Outras providências, em nível de patrimônio, foram tomadas como a cessão do barracão, que estava semiabandonado a um grupo de jovens para que fundasse ali um clube, onde a juventude pudesse reunir e divertir-se. Para tanto, os próprios jovens reformaram e ladrilharam o barracão. Assim também, resolveu-se arrendar o cinema paroquial a terceiros que passavam explorar este local, que ao lado do novo clube, eram os únicos pontos de entretenimento destinados aos jovens de Cesário Lange. Para se ter ideia das dificuldades da época, basta lembrar que a paróquia não tinha veículo próprio e o próprio padre com recursos próprios e outros emprestados adquiriu para as visitas rurais um "excelente" Ford '29, em novembro de 1966, que só andava graças à perícia e a paciência de Francisco Nóbrega Vasconcelos (Titico) e de Cesário Ribeiro da Silva (Cesarinho Pisca-Pisca), que pacientemente faziam a manutenção quase que diária do "excelente" veículo.

Por outro lado, começou-se uma descentralização da vida paroquial, ganhando as comunidades periféricas da cidade como as rurais, incentivo para ter vida própria. Eram os embriões de algumas prósperas comunidades atuais. Para isso, contribuiu em muito uma mudança radical em ser Igreja proposta pelo Concílio Vaticano II. Uma Igreja que se desvencilhava definitivamente de velhos costumes herdados do tempo do padroado para ser uma Igreja testemunha, profética e servidora. Não mais submissa e conformada com o "status quo", não permitindo o seu uso para fins politiqueiros. Por exemplo, em 1.º de março de 1966, Dom José Melhado Campos, bispo coadjutor e administrador apostólico de Sorocaba, tomava uma série de medidas práticas. Assim, as visitas pastorais do bispo deveriam ter um caráter unicamente religioso, nada mais de discursos, recepções festivas, morteiros, banquetes... Os sacerdotes poderiam celebrar a Missa em qualquer lugar decente (exigia-se, ainda, a pedra d'ara no altar improvisado). Mitigava ainda mais o jejum eucarístico e com isso aumentava a frequência da comunhão nas Missas vespertinas. Permitia a presença de sacrários em capelas, onde houvesse necessidade por parte da comunidade e a garantia de respeito a tão augusto Sacramento. Permitia a atuação de mulheres junto ao altar para a conservação dos objetos litúrgicos, etc.

Outra preocupação do Pe. Chico foi com o problema social reinante em Cesário Lange. Quando ele aqui chegou, o município tinha cinco anos de existência e uma administração deficiente, seja devido à falta de recursos, como devido à inexperiência no trato da coisa pública, onde proliferava o clientelismo político e o nepotismo. Também faltava quase tudo em termos de serviços públicos. A eletricidade era deficiente, havia pouca água encanada, não havia esgotos. Instalara há pouco um curso ginasial improvisado no velho grupo escolar, não havia asfalto nas ruas. Em questão de saúde havia um único posto de saúde bastante deficiente, pois embora este posto tivesse sido montado em 1962, em 1968 ainda não tinha um médico efetivo, (hospital, nem sonhar...), nem assistência social. Não raro cabia ao padre, ou outra pessoa designada por ele, "correr o chapéu" para adquirir um simples caixão daqueles de pano roxo para sepultar os mais desfavorecidos. Por exemplo, quando ele aqui chegou em 1965, a Rua do Comércio, a principal da cidade, não era mais nada do que a estrada que ligava Tatuí a Porangaba que atravessava pelo meio da cidade, pavimentada com pedregulhos e com muita poeira. Quando em 1967, esta rua foi asfaltada, o padre comemorou, lançando no Livro do Tombo da paróquia a realização de tal notável obra.

Diante de tal quadro, Pe. Chico, ainda que sem recursos, começou conscientizar a população e montar, na medida do possível, qualquer coisa que pudesse amenizar tal situação. Assim, ele reorganizou a "Caritas Nostra" em fevereiro de 1966 como um órgão permanente de assistência aos mais necessitados e de promoção social. A população mantinha a "Caritas Nostra" através de carnês pagos mensalmente, espontaneamente. Muitas pessoas dedicadas e caridosas gastavam seu tempo e recursos neste mister. Em abril de 1979, o bispo auxiliar de Sorocaba em visita pastoral, Dom Amaury Castanho, anotava no Livro do Tombo que a "Caritas Nostra" socorria uma média de 100 famílias por mês, fornecendo desde remédios até alimentos. A "Caritas Nostra" ganhou sede própria na Rua Pe. Gravina, onde se construiu um albergue com banheiros e depois um amplo salão. Depois do paroquiato do Pe. Chico, praticamente, a "Caritas Nostra" perdeu seus vínculos com a paróquia. Essa parte assistencial da Paróquia Santa Cruz, hoje, é feita pelas “Conferências de São Vicente de Paulo".

Outra obra de relevo iniciada e concluída pelo Pe. Francisco de Assis Moraes com obstinada vontade contra a descrença e mesmo antagonismo de muitos foi a "Beneficência Hospitalar de Cesário Lange", popularmente chamada de "Santa Casa". Tinha a paróquia um terreno com 1.500 metros quadrados na Vila do Cruzeiro, onde se pensava construir um outro posto da "Caritas Nostra". Era pequeno para uma Santa Casa. Pe. Chico negociou com a Fazenda Nova Esperança o terreno da Vila do Cruzeiro por uma área de 3.000 metros quadrados na Vila Brasil. Tentou convencer as autoridades municipais para participarem do projeto. A recepção foi pífia, senão hostil. Assim, ele começou a arrecadar junto à população recursos para tal fim e no dia 14 de agosto de 1977, Dom José Melhado Campos procedeu a bênção do terreno e imediatamente começaram as obras. Foi um sufoco tal obra. Havia oposição principalmente por parte de alguns políticos, que na visão do padre, perderiam o expediente de levar os doentes para as benzedeiras e curandeiros em época de eleição para angariarem votos (Livro do Tombo 1, 183), havia, por outro lado, também muita generosidade de tantas pessoas anônimas e o apoio da população. Francamente, tem que se reconhecer em Pe. Francisco de Assis de Moraes um homem obstinado, de visão, às vezes, autoritário e determinado, que reconhecia o seu próprio valor e capacidade, que o possibilitava fazer bastante com muito pouco. Se conquistou muitos admiradores, é certo também que ganhou muitos detratores. Aliás, essa última asserção não foi um “privilégio” de Cesário Lange. É quase um lugar comum. Em 1976, o historiador pereirense Paulo Fraletti discursava que a cidade vizinha de Pereiras se penitenciava ao nomear um largo da cidade com o nome de Pe. João Baptista de Palma (que também foi pároco por alguns meses em Cesário Lange em 1918), pois no dizer do historiador, o Pe. Palma fora uma das personalidades mais progressistas e de visão que tivera Pereiras e que depois de muitos anos de desinteressada dedicação, fora obrigado a se retirar da cidade devido a injúrias e calúnias movidas contra ele por políticos locais mesquinhos. Talvez um dia, Cesário Lange faça também justiça a Pe. Francisco de Assis Moraes.

Pôde, no entanto, apesar de todos os percalços, o padre ver inaugurada oficialmente a Santa Casa no dia 21 de dezembro de 1982, oito meses após ter ele deixado o paróquia Santa Cruz de Cesário Lange. Se no início de seu paroquiato, Pe. Chico tentara uma composição com as autoridades, com o passar do tempo, foram-se deteriorando as relações, como foi visto, que até se tornou hábito por parte do padre em meses que antecediam eleições municipais deixar de fazer homilias durante a Missa para não dar oportunidade de ver suas palavras destorcidas. É uma de suas queixas recorrentes nos documentos da igreja. Ganhava o padre a vida, ministrando aulas em cidades vizinhas (até em São Paulo, onde ensinou filosofia), pois em Cesário Lange, ainda que faltassem professores, ele não tinha vez. Numa cidade vizinha, certa vez, perdeu algumas aulas porque fora denunciado junto ao DOPS por gente de Cesário Lange de ser "subversivo". Houve mesmo um cidadão que não merece ser citado, que foi a certa repartição do governo estadual, onde o padre estava pleiteando verbas para a Santa Casa, para dizer que "Cesário Lange não precisava de hospital". Diante desta situação não deixou de ser um "golpe baixo" bem aplicado pelo padre, quando ele se inscreveu no partido do governo, a ARENA e mais, conseguiu, não com certa astúcia, ser o delegado do partido na região. Como pode alguém que pertence ao partido da ditadura que governava o Brasil ser subversivo! Nessa discutível função, foi ele um dos mais de 600 delegados da ARENA que no colégio eleitoral de 1978 elegeram para governador de São Paulo uma pessoa funesta, que não honra página alguma. Pe. Chico "vendeu" seu voto a este governador por três promessas, feitas por escrito: o asfaltamento da estrada Tatuí-Cesário Lange, a construção de um trevo para a Vila Brasil, e verba para terminar a Santa Casa. Só a última promessa foi cumprida às turras, é verdade, mas foi a que possibilitou a conclusão da grande obra, que presta notáveis serviços a Cesário Lange e às cidades vizinhas, principalmente aos mais pobres, apesar das crises crônicas e cíclicas que vem sofrendo, aliás, como toda a saúde desta imensa nação chamada Brasil.



Nota: Depois de mais de três anos e meio, volto postar a continuação da história da Paróquia Santa Cruz de Cesário Lange. Durante este longo período, para minha surpresa, recebi muitos contatos de pessoas amigas e outras desconhecidas que encontraram algo de útil nestas notas, ainda que mal redigidas e postadas de maneira muito descuidada. Retomo, então.

Uma nova matriz – 2


A saída do Pe. Antônio Dragone que marcou a história da Paróquia Santa Cruz, principalmente, devido à construção da nova igreja matriz, foi dramática, motivada pelos acontecimentos políticos que afetaram Cesário Lange e seu sucessor terá também dificuldades em relação às instabilidades políticas e econômicas pelas quais passavam o Brasil naquela época com reflexos na própria ordem institucional da nação.

Jânio Quadros que havia sido empossado como presidente da República em 31 de janeiro de 1961, embora tivesse sido eleito, apoiado pelas elites brasileiras, vinha tomando posições bastante controversas. No plano externo, exerceu uma política não alinhada. Apoiou Fidel Castro diante da tentativa fracassada de invasão da Baía dos Porcos pelos norte-americanos, por exemplo. Além disso, Jânio rompeu com o partido que o elegeu, a UDN, provocando enorme insatisfação. Havia uma grande suspeita que o Brasil ao desafiar os norte-americanos estivesse se aproximando dos soviéticos (comunistas). Estávamos em plena Guerra Fria, onde parecia inevitável um confronto nuclear entre o Primeiro e o Segundo Mundo. Organizavam-se, então, grupos pelo Brasil que se propunham em denunciar os comunistas ou supostos tais.

Em Cesário Lange, o auto proclamado chefe de tal campanha era o vereador Lázaro Mendes Castanho, líder do prefeito na Câmara. Parece que o vereador acreditava que havia elementos "comunistas" infiltrados na igreja. Na noite de 03 de junho de 1961 encerrava-se o mês de maio, dedicado à Virgem Maria, o vereador em questão entrou tempestuosamente no recinto sagrado durante uma bênção do Santíssimo Sacramento para coletar um abaixo-assinado contra os "comunistas". Ao ser contido, reagiu, provocando tumulto e escândalo. O ato foi considerado de tal gravidade pelo Bispo diocesano que provocou a interdição da igreja – algo inédito -, que ficou fechada por dois meses e o pároco foi transferido definitivamente para Porangaba, onde também era ocupava o cargo. A gravidade do gesto impensado e o repúdio geral da população a tal incidente levaram o vereador a renunciar a sua liderança da "Campanha contra os comunistas" na sessão da Câmara na noite de 09 de junho seguinte a favor de seu companheiro, o vereador José Vieira de Miranda (futuro diácono). Realmente, dois meses depois, no dia 05 de agosto, Pe. Antônio Dragone, agora residindo em Porangaba, discretamente, reabria a igreja, e voltava a atender a sua antiga paróquia que perdia sua autonomia e ficava, daí em diante, anexada à paróquia de Porangaba, enquanto aguardava uma solução definitiva com a vinda de um novo pároco.

Mesmo assim, as obras da matriz continuaram. Por exemplo, os 936 metros quadrados de forro da igreja eram feitos por um carpinteiro de Sorocaba contratado por Cr$ 200.000,00 (a igreja fornecia o material). Também, se lançava a campanha dos vitrais entre as famílias de Cesário Lange. No entanto, no dia 24 de dezembro de 1961, Pe. Antônio Dragone ficava sabendo da nomeação do novo pároco para Cesário Lange. Ao se despedir de sua paróquia e da igreja que começara, fez seu inventário: o forro da igreja estava quase pronto e as suas paredes estavam prontas para o revestimento. Deixava em caixa a importância de Cr$ 1.240.632,40 e as seguintes irmandades e associações organizadas: Pia União das Filhas de Maria, Cruzada Eucarística, Congregação Mariana (que contava, então, com uma banda musical: "A Corporação São Luis Gonzaga"), Obras das Vocações, Apostolado da Oração, Confraria do Rosário, Irmandade do Santíssimo Sacramento e até o Cemitério Paroquial tinha um pequeno saldo: Cr$ 15.397,00.

Para a chegada do novo pároco, Pe. Adolfo Testa, frei Nuno Alves Corrêa, religioso carmelita oriundo da cidade, que era então pároco da igreja do Carmo em Santos, Ponta da Praia, foi convidado para preparar o terreno e desarmar os ânimos. Realmente, a chegada do novo vigário, o Pe. Adolfo Testa, pode ser descrita como triunfal, o que aconteceu no dia 27 de janeiro de 1962. Aparentemente, as divisões tinham sido sanadas, o que de fato não acontecera por completo.

O novo pároco era em muito diferente de seu predecessor. Embora ele não tenha mudado a rotina da vida religiosa da paróquia, mas aconselhado por um grupo diferente daquele que até então vinha trabalhando em prol das obras da igreja, apostou nas realizações de grandes festas e quermesses com participação de artistas populares do rádio e da televisão como meio de angariar fundos para as obras da igreja. As festas em seu aspecto religioso saíram a contento, mas deixaram a desejar quanto aos resultados econômicos. A cidade não tinha estrutura para tanto. Desolado o padre comenta: de uma vez, choveu demais, em outra, faltou energia elétrica, que, por sinal, era muito precária. Além demais, o padre resolveu construir uma nova casa paroquial que estava num estado desolador (Pe. Antônio Dragone, deliberadamente, descuidara de sua casa, direcionando todos os recursos para as obras da nova matriz). Para levantar recursos para mais esta empreitada, a paróquia vendeu parte de seu patrimônio, justamente a sua velha casa paroquial com seu enorme quintal que ficava na Rua do Comércio, acima do atual Salão de Catequese.

Para se ver como o governo municipal se entendia com o novo pároco, basta lembrar, que até a Prefeitura ajudou na construção da nova casa paroquial, destinando uma pequena dotação para tal fim. A nova casa paroquial foi construída atrás da nova igreja e foi abençoada por Dom José Carlos de Aguirre em 24 de março de 1963. Outra realização foi a fundação da "Sociedade Beneficente Caritas Nostra" (ela mais tarde será reorganizada pelo Pe. Francisco de Assis Moraes) pelo Pe. Adolfo Testa no dia 08 de janeiro de 1963. Não era a primeira instituição no gênero para socorrer as pessoas mais necessitadas. Na realidade, em 31 de março de 1940, fora fundada aqui uma Conferência de São Vicente de Paulo, que infelizmente não tinha vingado.

Outro fato relevante foi a realização das "Santas Missões", o que não acontecia desde 1948, entre os dias 06 a 16 de setembro de 1963 pelos “Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria”, missionários claretianos. Foram pregadores os padres Alberto Esmanhotto, Vicente Vieira e Aniceto Artidório de Lima que causaram excelente impressão no povo. Como marco destas missões se construiu num lugar alto e ermo da cidade que foi chamado de Praça João XXIII (em memória do inesquecível Papa, que cativara o mundo inteiro e que falecera em 03 de junho de 1963) junto à caixa de água, uma grande cruz de cimento, o Cruzeiro, que mais tarde seria iluminado com luz néon e que daria nome à vila que surgiu em sua volta.

O padre não deixou de registrar uma grande calamidade natural que atingiu a região. No mês de outubro de 1963, depois de muitas orações, voltaram as chuvas. Foram sete meses sem uma gota sequer. Poços secaram, os poucos rios do município desapareceram, a cidade ficou sem energia elétrica. No entanto, ele anunciou que em 1964 visitaria seus parentes na Itália. Porém, acontecimentos de natureza política anteciparam sua saída de Cesário Lange. Viajou, de fato, no dia 04 de abril daquele ano. Não mais voltaria. Faleceu, vítima de uma pneumonia num hospital em Milão, depois de ter sofrido um acidente de trânsito (25 de outubro de 1964).