quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Nota: Depois de mais de três anos e meio, volto postar a continuação da história da Paróquia Santa Cruz de Cesário Lange. Durante este longo período, para minha surpresa, recebi muitos contatos de pessoas amigas e outras desconhecidas que encontraram algo de útil nestas notas, ainda que mal redigidas e postadas de maneira muito descuidada. Retomo, então.

Uma nova matriz – 2


A saída do Pe. Antônio Dragone que marcou a história da Paróquia Santa Cruz, principalmente, devido à construção da nova igreja matriz, foi dramática, motivada pelos acontecimentos políticos que afetaram Cesário Lange e seu sucessor terá também dificuldades em relação às instabilidades políticas e econômicas pelas quais passavam o Brasil naquela época com reflexos na própria ordem institucional da nação.

Jânio Quadros que havia sido empossado como presidente da República em 31 de janeiro de 1961, embora tivesse sido eleito, apoiado pelas elites brasileiras, vinha tomando posições bastante controversas. No plano externo, exerceu uma política não alinhada. Apoiou Fidel Castro diante da tentativa fracassada de invasão da Baía dos Porcos pelos norte-americanos, por exemplo. Além disso, Jânio rompeu com o partido que o elegeu, a UDN, provocando enorme insatisfação. Havia uma grande suspeita que o Brasil ao desafiar os norte-americanos estivesse se aproximando dos soviéticos (comunistas). Estávamos em plena Guerra Fria, onde parecia inevitável um confronto nuclear entre o Primeiro e o Segundo Mundo. Organizavam-se, então, grupos pelo Brasil que se propunham em denunciar os comunistas ou supostos tais.

Em Cesário Lange, o auto proclamado chefe de tal campanha era o vereador Lázaro Mendes Castanho, líder do prefeito na Câmara. Parece que o vereador acreditava que havia elementos "comunistas" infiltrados na igreja. Na noite de 03 de junho de 1961 encerrava-se o mês de maio, dedicado à Virgem Maria, o vereador em questão entrou tempestuosamente no recinto sagrado durante uma bênção do Santíssimo Sacramento para coletar um abaixo-assinado contra os "comunistas". Ao ser contido, reagiu, provocando tumulto e escândalo. O ato foi considerado de tal gravidade pelo Bispo diocesano que provocou a interdição da igreja – algo inédito -, que ficou fechada por dois meses e o pároco foi transferido definitivamente para Porangaba, onde também era ocupava o cargo. A gravidade do gesto impensado e o repúdio geral da população a tal incidente levaram o vereador a renunciar a sua liderança da "Campanha contra os comunistas" na sessão da Câmara na noite de 09 de junho seguinte a favor de seu companheiro, o vereador José Vieira de Miranda (futuro diácono). Realmente, dois meses depois, no dia 05 de agosto, Pe. Antônio Dragone, agora residindo em Porangaba, discretamente, reabria a igreja, e voltava a atender a sua antiga paróquia que perdia sua autonomia e ficava, daí em diante, anexada à paróquia de Porangaba, enquanto aguardava uma solução definitiva com a vinda de um novo pároco.

Mesmo assim, as obras da matriz continuaram. Por exemplo, os 936 metros quadrados de forro da igreja eram feitos por um carpinteiro de Sorocaba contratado por Cr$ 200.000,00 (a igreja fornecia o material). Também, se lançava a campanha dos vitrais entre as famílias de Cesário Lange. No entanto, no dia 24 de dezembro de 1961, Pe. Antônio Dragone ficava sabendo da nomeação do novo pároco para Cesário Lange. Ao se despedir de sua paróquia e da igreja que começara, fez seu inventário: o forro da igreja estava quase pronto e as suas paredes estavam prontas para o revestimento. Deixava em caixa a importância de Cr$ 1.240.632,40 e as seguintes irmandades e associações organizadas: Pia União das Filhas de Maria, Cruzada Eucarística, Congregação Mariana (que contava, então, com uma banda musical: "A Corporação São Luis Gonzaga"), Obras das Vocações, Apostolado da Oração, Confraria do Rosário, Irmandade do Santíssimo Sacramento e até o Cemitério Paroquial tinha um pequeno saldo: Cr$ 15.397,00.

Para a chegada do novo pároco, Pe. Adolfo Testa, frei Nuno Alves Corrêa, religioso carmelita oriundo da cidade, que era então pároco da igreja do Carmo em Santos, Ponta da Praia, foi convidado para preparar o terreno e desarmar os ânimos. Realmente, a chegada do novo vigário, o Pe. Adolfo Testa, pode ser descrita como triunfal, o que aconteceu no dia 27 de janeiro de 1962. Aparentemente, as divisões tinham sido sanadas, o que de fato não acontecera por completo.

O novo pároco era em muito diferente de seu predecessor. Embora ele não tenha mudado a rotina da vida religiosa da paróquia, mas aconselhado por um grupo diferente daquele que até então vinha trabalhando em prol das obras da igreja, apostou nas realizações de grandes festas e quermesses com participação de artistas populares do rádio e da televisão como meio de angariar fundos para as obras da igreja. As festas em seu aspecto religioso saíram a contento, mas deixaram a desejar quanto aos resultados econômicos. A cidade não tinha estrutura para tanto. Desolado o padre comenta: de uma vez, choveu demais, em outra, faltou energia elétrica, que, por sinal, era muito precária. Além demais, o padre resolveu construir uma nova casa paroquial que estava num estado desolador (Pe. Antônio Dragone, deliberadamente, descuidara de sua casa, direcionando todos os recursos para as obras da nova matriz). Para levantar recursos para mais esta empreitada, a paróquia vendeu parte de seu patrimônio, justamente a sua velha casa paroquial com seu enorme quintal que ficava na Rua do Comércio, acima do atual Salão de Catequese.

Para se ver como o governo municipal se entendia com o novo pároco, basta lembrar, que até a Prefeitura ajudou na construção da nova casa paroquial, destinando uma pequena dotação para tal fim. A nova casa paroquial foi construída atrás da nova igreja e foi abençoada por Dom José Carlos de Aguirre em 24 de março de 1963. Outra realização foi a fundação da "Sociedade Beneficente Caritas Nostra" (ela mais tarde será reorganizada pelo Pe. Francisco de Assis Moraes) pelo Pe. Adolfo Testa no dia 08 de janeiro de 1963. Não era a primeira instituição no gênero para socorrer as pessoas mais necessitadas. Na realidade, em 31 de março de 1940, fora fundada aqui uma Conferência de São Vicente de Paulo, que infelizmente não tinha vingado.

Outro fato relevante foi a realização das "Santas Missões", o que não acontecia desde 1948, entre os dias 06 a 16 de setembro de 1963 pelos “Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria”, missionários claretianos. Foram pregadores os padres Alberto Esmanhotto, Vicente Vieira e Aniceto Artidório de Lima que causaram excelente impressão no povo. Como marco destas missões se construiu num lugar alto e ermo da cidade que foi chamado de Praça João XXIII (em memória do inesquecível Papa, que cativara o mundo inteiro e que falecera em 03 de junho de 1963) junto à caixa de água, uma grande cruz de cimento, o Cruzeiro, que mais tarde seria iluminado com luz néon e que daria nome à vila que surgiu em sua volta.

O padre não deixou de registrar uma grande calamidade natural que atingiu a região. No mês de outubro de 1963, depois de muitas orações, voltaram as chuvas. Foram sete meses sem uma gota sequer. Poços secaram, os poucos rios do município desapareceram, a cidade ficou sem energia elétrica. No entanto, ele anunciou que em 1964 visitaria seus parentes na Itália. Porém, acontecimentos de natureza política anteciparam sua saída de Cesário Lange. Viajou, de fato, no dia 04 de abril daquele ano. Não mais voltaria. Faleceu, vítima de uma pneumonia num hospital em Milão, depois de ter sofrido um acidente de trânsito (25 de outubro de 1964).

Nenhum comentário:

Postar um comentário